quarta-feira, 30 de junho de 2010

Sobre presentes e Surpresas

“Então é isso que eu sempre quis dizer: sempre fui apaixonado por você.”

“Ta falando sério?”

“Adriana, eu estou falando seriíssimo.”

“Poxa, Elton, porque você não falou antes? Perdemos tanto tempo separados...”

“Mas agora temos todo o tempo do mundo.”


Ai-meu-Deus. Está chegando o momento do beijo mais esperado da minha vida. Vou fechar os olhos e aproximar três centímetros. Ele deverá saber o que fazer. Acho que é agora. Será agora... Já posso sentir seu hálito de hortelã. Esse creme dental é tão familiar. Parece com... Com...


- AHHHH! Mãe? Que é isso?

- Desculpa filha, gritei alto e você não ouvia. Tive que chegar mais perto.


Sim, mas não precisava me acordar com um quase-beijo.


- Ah, mãe... Tudo bem... Tudo bem.

- Que foi, Adriana? Está de TPM?

- Não, hoje ainda é dia 20.


Dia 20? Eu disse isso? Hoje é dia 20 de junho? Não pode ser.


- Não pode ser!

- O que?

- Não me diga que hoje é quinta feira!

- Hoje é quinta feira.

- Mãe!


Deixa eu me levantar correndo! Poxa! Como podia esquecer? Dia 20 de junho, aniversário do Elton. Isso mesmo! Que cabeça essa minha... Preciso sair agora mesmo pra comprar alguma coisa. Qualquer coisa. É, Adriana, eu sei que nunca tivemos NADA. Mas presentear amor platônico não é pecado.

Agora to entendendo porque tive um sonho tão real nessa noite... Se bem que tenho sonhado tanto, mas tanto, que sinto que nunca vai virar realidade. Será que essa blusa ta legal em mim?


- Que linda, filha. Vai pra onde?


Ficou legal, pelo visto.


- Vou ao shopping pagar umas contas.


Eu sei que é ridículo mentir para mãe, nunca fiz isso e nem quero fazer de novo. Sei também que jamais vou me perdoar por isso, a menos que eu leve trinta chicotadas. Mas dizer à mãe que vou comprar um presente de aniversário para um paquerinha que não me dá a mínima... Ah não. Vou poupar minha mãe dessa ladainha frustrante. Ela provavelmente me lembraria de como tinha sido uma jovem independente e bem resolvida. E era ELA que sempre recebia presentes.


Quer saber? Vou assim mesmo. Shorts, regata e havaianas. Todo mundo usa, imagina eu. Não vou encontrar com ninguém na vizinhança. Ta aí uma vantagem de morar perto do shopping: ir a pé, no estilo “vá-como-estiver”. Lógico que tem suas desvantagens. Uma dela é sentir os nervos queimarem quando, ao programar a night de sexta, a galera diz: “Vamos ao shopping!”. A vontade que dá é de se jogar na frente do carro mais próximo. Mas tirando isso, é uma maravilha.


Ah, que lindo dia de sol. Hoje nada, absolutamente NADA vai atrapalhar meu bom humor. Perdi 2 kg, ganhei um vestido novo e hoje vou comemorar o aniversário do meu amor. Platônico.

E o melhor de tudo é que ainda é dia 20. Ou seja: nada de absorventes problemáticos, nem a falta deles; o que é um problema ainda maior. Nada de dores insuportáveis e um humor tão constante quanto a superfície de uma gelatina. Me vêm a cabeça a frase que melhor descreve o dia: “I gotta feeling”, diz a sentença, “that tonight’s gotta be a good night”. Essa loja parece ser a ideal.


- Bom dia! Procurando presente?


Moça, eu estou em uma loja masculina e não apresento o menor sinal visível de homossexualidade. Se hoje não fosse dia 20, eu provavelmente não seria tão paciente. Mas vamos lá!


- Sim, para meu namorado.


Minha tia vive dizendo que a fé move montanhas. Vou exercitá-la, para ver se ela move o Elton até mim. Essa ta horrível. Essa pior ainda. Essa ta legal, mas acho que não é o estilo dele. Não, amarelo não. Branco como ele é, fica horrível de amarelo. Ei. Pensando bem... Dar uma camisa é um sinal de profunda intimidade. É sinal que conheço seus gostos, preferências de cor e estampa. Ou seja: presente para um namorado.


- Não posso dar uma camisa.

- Pois não?

- Não posso comprar uma camisa, ele já tem muitas.


OK, eu vou saindo de fininho antes que chamem o Hospício. Acho melhor dar um livro. Isso... Dando um livro, vou parecer mais centrada. Do que já sou, é lógico. Não. Ele tem músculos demais para se interessar por livros. Embora isso soe preconceituoso, mas oras!, é assim que eu penso. Nada de livros, nada de livros. To pensando seriamente em comprar um pote de parafina...


Já sei! Como não tinha pensado nisso antes? Acabou de sair o novo CD de Jack Johnson. Perfeito para ele! E não é o tipo do presente que, ao abrir a caixa, falta apenas gritar: “Namora comigo!”. Não, é discreto, singelo e perfeito. Ah não. Em tempos de 4Shared e MP3, quem ainda tem CDs? Quem ainda pega o CD da caixinha, coloca no som e fica folheando o livreto das letras e fotos do artista? Bons tempos de CD. Bons tempos de LP, para ser ainda mais nostálgica.


Se bem que, depois do episódio ridículo em que fui lançada no mar sem dó nem piedade, ele não merecia nem uma ligação. Falando nisso, já liguei para ele hoje? Não. Não vou ligar. Vou passar o dia fingindo que não to nem aí, e à noite surjo com o presentinho, o vestidinho novo e um sorriso nos lábios. “Parabéns, Elton!”


- Psiu!


Esse psiu certamente não foi pra mim. Acho que vou comprar uma bermuda de surf. Não, vou cair no mesmo erro das camisas. O presente que pede em namoro. No way.


- Psiu!


Olha, se esse psiu for pra mim, vão quebrar a cara. Eu tenho nome, OK? Não vou dar atenção a todos os “psis” que escuto por aí afora.


- Dri!


Eu conheço essa voz. Eu conheço esse timbre. Conheço esse sotaque e essa voz roca e arrastada. Não pode ser ele. Não hoje. Não agora. Não era assim que eu planejava dar os parabéns a ele. De shorts, regata e Havaianas. Não vou olhar para trás. Jesus!


- Elton!

- O que está fazendo no shopping tão cedo?


Madruguei pra comprar seu presente, e agora estou morrendo de vergonha. E se quer cair pra trás, sonhei com você hoje! Rá!


- Vim pagar umas contas!


To começando a acreditar nessa dívida.


- E aí, sabe que dia é hoje?


Lógico que sei. Só não sei com que cara devo admitir isso.


- Dia 20 de junho, seu aniversário! Parabéns, Elton!


A melhor parte disso tudo foi te dar um abraço. Elton, você tem um cheirinho personalizado de Ferrari Black misturado com maresia, mas é muito bom te abraçar. Nunca pensei que fosse me apaixonar logo por um garoto dos mares.


- A comemoração hoje é no Surf and Sea. Você vai, né?


Meu anjo, hoje eu to topando quase tudo.


- Claro, vai ser ótimo.


Se bobear, eu vou do jeito que estou. Shortinho, regatinha, havaianas! Já que o tema é Surf, vamos entrar no clima! Agora acho melhor ir embora, estou sentindo que estou corando de uma maneira anormal.


- Bom, vou indo; ainda vou sair com minha mãe à tarde para resolver umas coisas.


Mentira, vou voltar aqui para comprar seu bendito CD. É, vai ser isso mesmo. E ainda vou ter que ir ao salão dar um jeito no cabelo e nas unhas. Contando com as despesas da noite, Elton, seu presente vai me custar nada menos que R$100. E olhe que você é só um amor platônico. Vê lá.


- Ta bom, Dri. Vou te esperar, viu?


Pode esperar em pé, que eu garanto que não demoro, meu bem.


- Ta bom. Se cuida!

- Você também.


Até que enfim. Tudo resolvido. Ele não sabe que eu estava às 10h da manhã no Shopping para comprar o presente dele. Quando eu levar, ele vai achar que eu comprei uns 10 minutos antes de ir. Certamente ele não reparou no meu cabelo e muito menos nas unhas, logo não vai perceber que foi tudo por ele e para ele. E outra certeza é que ele jamais notará que o vestido é novo. Vou parecer uma garota que está lá por estar, como se fosse o aniversário de alguém normal, e não do meu amor platônico. Enquanto isso, ele vai absorver toda essa produção no sub-consciente. Vou chegar discretamente, permanecer discreta, enquanto dentro da cabeça dele estarei bombando mais que balada nova-iorquina. Tudo resolvido.


Ops... Vou precisar mentir de novo. Direi que o caixa eletrônico estava em manutenção. E Deus queira que minha mãe não venha conferir... Porque eu não minto, não minto mesmo; mas confessar que estou preocupada com o aniversário de um amor platônico... Ah! Isso é a decadência.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Arte à venda

Atenção, senhoras e senhores!
Vende-se poesia
Do seu jeito,
Do seu gosto!
Por um preço que vale a pena.

Sejam sonetos ou versos livres;
À la Bilac ou liberdade;
Que falem de amor
Ou escuridão.
O preço, garanto, é irresistível.

Pode ser revolucionário
Ou de rimas juvenis.
Pode ser expressionista
Ou render-se ao barroco.
O preço quem diz é você.

Que não influencie o Poeta!
E quem precisa da Musa?
Faça apenas o pedido,
E nos dê vinte e quatro horas.
Se for com rima, porém,
[mais quatro.


quarta-feira, 23 de junho de 2010

"A mágica presença das estrelas"

DAS UTOPIAS

Se as coisas são inatingíveis...ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos se não fora
A presença mágica das estrelas!

(Mario Quintana)


***

Seus passos denunciavam seu pensar
Seus olhos, como grandes janelas,
Deixavam escapar as ilusões e caminhos
De suas múltiplas aquarelas
Que tristes os caminhos se não fora
A presença mágica das estrelas!

Tristes os que não podiam entender
A magia das chamas sinceras
Que escapavam de seu sorriso
E ela tentava, em vão, detê-las.
Que tristes os caminhos se não fora
A presença mágica das estrelas!

Uma sensibilidade incomum
Tornava-a ainda mais bela
Guardo a recordação daquela tarde:
Ela e seu vestido de rendas amarelas.
Que tristes os caminhos se não fora
A presença mágica das estrelas!

Agora, prostrada, limito-me a aceitar
O que entre sorrisos, dizia ela
"Quintana estava certo", sussurrava,
"Quando disse, em poesia bela
Que tristes os caminhos se não fora
A presença mágica das estrelas!"


terça-feira, 22 de junho de 2010

Sábado de Sol e Sangue

Poxa, que sorte a minha. Como eu não tinha pensado que hoje era justamente dia 10 de março? Como não? Eu que sempre fui atenta ao meu calendário biológico marquei essa bendita praia para hoje. Eu não vou mais. Não vou.

Ah não! Mas eu PRECISO ir. Combinei com as meninas, e o Elton vai estar lá. Lindo, loiro e surfista. E me prometeu que ia me ensinar a surfar! Ensinar a surfar! Eu, uma pobre jovem menstruada cujo fluxo sanguíneo resolveu aparecer exatamente agora, vinte minutos antes de a Andréa passar aqui em casa. Que beleza!

Droga... Esperei tanto por essa praia. Esperei seis dias para ser mais exata. Poxa. Mas não... Não vou chorar... Não estou chorando. Não estou. Calma, Adriana Dias Mendonça, você não vai chorar. Se controle. Você é uma mulher equilibrada! Ah, droga, o que eu vou fazer? Vou ligar para a Andréa para dizer que desisti de ir.

- Alô, Déa?

- Oi, Dri.

Ela vai me matar. Eu insisti tanto para que ela fosse. Ela não vai me perdoar.

- Olha, é que eu menstruei hoje de manhã, estou sem condições de ir à praia. Sabe, estou muito triste, você sabe, e...

- Tudo bem, Dri, eu entendo. Eu aviso ao pessoal.

Como assim, “tudo bem, Dri”? Você precisa insistir, implorar, me chantagiar e ameaçar de morte para que eu deixe de frescura e vá para a praia. Você não se importa que eu vá? Você não é minha amiga?

- Tem certeza que não se importa, flor?

- Lógico que não. Eu sei como são essas coisas...

Não sabe nada. Não sabe nada! Você é uma insensível!

- Você é uma fofa, Déa. Beijo.

- Outro.

Ah não! Será que não existe mais amizade sincera nesse planeta? Ela tinha que ter insistido. Ela precisava ter insistido. Isso sim é prova de amizade. Mas eu já sei o que vou fazer. Vou procurar o meu melhor biquíni, meu óculos novo, o vestidinho branco preferido... E vou arrasar. Lógico, sem aulas de surf. E tudo que vou dizer é que estou... Bem... Com dor de cabeça. Isso. Ninguém vai entrar em detalhes. Agora vamos lá, Adriana! Enxugue as lágrimas e seja feliz! Ops, mas antes disso...

- Alô, Andréa?

- Oi, Dri...

- Olha, eu pensei bem... Não vou perder a praia. Vou tomar um Buscopan e ficar lá sentadinha da silva.

- Ótimo, eu passo aí em dez minutos!

- OK, beijo.

Dez minutos. Concentração. Ai, que dor! Que dor! Não vou curtir meu sábado graças a essas dores. E tanta dor graças a essa hemorragia. E essa sangria graças a eu ter nascido mulher. E tudo isso graças à falta deum cromossomo Y. Oh Céus, isso é coisa do destino. Des-ti-no! Mas vamos lá. Agora são só sete minutos. Concentração.

Esse biquíni está horrível em mim hoje. E é o meu MELHOR biquíni. O arrasador. O fecha-praias. O que ninguém jamais encontrará em nenhuma prateleira de liquidação. Mas ta HORRÍVEL em mim hoje. Tudo graças a esse inchaço. Que é graças à hemorragia. Que é graças àquelas outras coisas. Ainda bem que tenho esse vestidinho de praia que... Nossa! Ta parecendo tão mais apertado. Será que vão perceber? Será que o Elton vai pensar que eu to gorda?

“Elton, eu não estou gorda, estou menstruada”.

Não. Jamais. Não vou me passar a esse ponto. Acho que ele não vai perceber. Agora, onde estão minhas sandálias? Ah não, hoje tudo conspira contra mim, contra a praia, contra o Elton e nossas aulas de surf. Até uma bendita sandália que... Ah, achei. Peraê, peraê. Ouço buzinas. E esta buzina fina e maçante só pode ser ela.

- Oi Déa! To descendo!

É a vantagem de morar no primeiro andar: se comunicar com berros, em vez de ir até o interfone. Será que não to esquecendo nada? Ah, céus! O protetor! Pele transparente e sol de um dia inteiro sem protetor não me traz boas recordações. Estou literalmente frita! Mas vou ficar o dia inteiro sentada no barzinho, com aquela coca-cola e um caranguejo, me sujando toda. Não vou ver nem a cor do sol.

- Está bem mesmo, querida?

Foi o “querida” mais falso que já ouvi em toda a minha existência.

- Tudo sim, flor.

Foi o “flor” mais falso que já pronunciei em toda a minha existência. Isso, aumenta o som. Ah não! Lady Gaga de novo não. Abaixa isso. Deixa mudo, se possível.

- Não tem Jack Johnson?

- Tem sim, na pasta 3; pode mudar.

Ufa! Nem acredito! Agora sim: indo à praia e ouvindo música de praia. Não fosse usar biquíni com absorvente, as dores da cólica e uma vontade louca de esganar alguém, o dia seria perfeito. Ah, chegamos. Estava há uns trezentos meses sem pisar nas areias da praia. E deixe-me ver, deixe-me ver... Não tenho uma visão de túnel muito boa. Mas posso ver que o Elton, o Pedro, a Juju e o Túlio já estão lá. O Elton está lá. Todos estão lá. E lá vamos nós, a Andréa com seu biquíni verde-lodo e a ensangüentada, tendo que esconder o biquíni lindo em um vestido de praia decadente. Poxa, é meu dia.

- Oi, Dri!

Oi, Elton lindo, maravilhoso, cheiroso!

- Oi, Elton!

- Quanto tempo!

Não. Sai daqui. Não me aperte assim. Ai, que dor! Será que você não ta vendo que to morrendo de cólica, seu animal? Isso, muito obrigada. Que saco!

- Pois é, né... Hehehe.

Será que fui convincente com essa risadinha? De qualquer maneira, vamos lá, vamos sentando, e pedindo nossos caranguejos. Será que aqui também vende chocolate? Deixa pra lá. Ah não. Não acredito que estão propondo um campeonato de frescobol. Não, não; tudo menos torrar no sol e ficar me abaixando o tempo todo para apanhar a bolinha.

- Estou cansada.

Foi tudo que consegui dizer, apesar de soar meio estranho uma jovem de 22 anos estar cansada demais para jogar frescobol com os amigos.

- Então vamos aprender a surfar!

Poxa, Elton, você é tão legal. O problema é que às vezes surge com idéias imbecis.

- Hoje nem vai dar.

- Que bicho te mordeu?

A menstruação, seu idiota! Incompreensivo! Insensível! Será que não ta vendo minha cara de choro por estar sendo ALTAMENTE ridicularizada e humilhada na frente de todos?

- Bicho nenhum, eu apenas...

- Ah, então ta tudo em cima, vamo nessa!

Ei, me solta, me larga! Eu não vou surfar, me solta! Estou com muita dor, idiota. E vocês, sua trupe de ridículos, não vão me ajudar? Vão ficar só rindo de mim?

- Isso é só charminho dela, Elton! Leva ela assim!

Poxa Juju! Você só pode ser um homem travestido nesse biquíni vermelho ridículo. Por que nunca vi uma mulher ser tão sensível quanto uma porta! Me solta, seu inútil. Droga... Estou me passando... Chorando... E ninguém percebe que to falando sério?

TCHIBUM. Odeio esse som. Não vou levantar o rosto. Todos vão ver que estou chorando muito. Porque eu vim para essa praia. Ah, seu idiota... Foi por SUA CAUSA. Foi por VOCÊ que estou aqui, passando por cima do desconforto, das dores e da vontade de esganar alguém. Pensando bem, vou te esganar, seu MOLEQUE.

- Onde você estava com a cabeça?

- Calma, Dri... Eu não... Eu não...

Vai dizer que não sabia? Vai dizer que pensou que era só charminho? Ah, que beleza. Agora estou aqui com um absorvente ensopado e meu vestido molhado; uma raiva que me consome, cólica triplicada e sentindo minha barriga inchar ainda mais graças aos três litros de água que engoli...

- ...Graças a você! Graças a você vou pegar um resfriado! Eu te odeio! E odeio para sempre!

- Desculpa, eu não sabia que...

- Não... Dirija... Sua voz... À MINHA PESSOA!

E nem faça essa cara de quem não está entendendo nada. Qual o outro motivo levaria uma mulher, em um dia de sol, preferir ficar se lambuzando de caranguejo? Idiota. I-DI-O-TA!

segunda-feira, 21 de junho de 2010

"Para não dizer que não falei das flores"

Naquele dia, acordou com uma percepção diferente sobre a vida. Percebeu que não apenas as rosas enfeitam o jardim pela manhã. Haviam também as tulipas, violetas, margaridas e copos-de-leite que executam o trabalho divinamente. Observou que não tinham espinhos como as rosas, embora não quisesse se prender a esse detalhe. Sabia que todas elas tinham seu charme e seus pontos fracos. Cada uma tinha um perfume que lhe era peculiar. Uns mais fortes, outros nem tanto. Uns mais doces, outros cítricos. Por isso, ela entendeu que não podia fazer comparações. Depois de ter apreciado a vista por alguns minutos, fechou a janela por causa da chuva. Os pingos fraquejantes ameaçavam entrar no quarto da menina. Deu de costas e sorriu para si mesma. Resolveu abrir a janela. Afinal, que importava se caíssem algumas gotas de alegria naquele chão sem graça? Ao menos trariam consigo o perfume das flores...

terça-feira, 15 de junho de 2010

Aparência

O que parecia ser um antigo samba
Era na verdade um típico blues.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Juan, o taxista


Dizem que a gente conhece as pessoas mais marcantes da vida em situações inusitadas e inesperadas. Eu até concordo com essa teoria, já que toda surpresa (seja ela boa ou não) a gente costuma guardar (ainda que contra nossa vontade) em algum baú empoeirado

de nossa memória. Por vezes, tiramos a poeira e vivemos momentos de nostalgia deliciosos. Foi assim que aconteceu com aquele grupo de meninas.

Era uma viagem estudantil. Um congresso de um dos cursos mais bonitos e interessantes (em minha opinião): Comunicação Social, em todas as suas habilitações. O modo como chegaram lá, se alojaram, se conheceram, trocaram confidências, experiências e roupas é tema de outras crônicas. Esta é sobre um momento específico da tal viagem.

As seis jovens e o jovem estavam em uma festa regional de São João da cidade onde acontecera o tal Congresso. Em meio ao fuzuê contagiante do lugar, compraram uma cachaça famosa na região: Dona Encrenca. N

ão se preocuparam em se meter em uma encrenca (com a licença para o trocadilho), já que todo grupo tem alguém sóbrio. E este “alguém sóbrio” era exatamente a que vos escreve.

Foram vários brindes: às solteiras, ao Congresso, aos pais, à Lady Gaga (esta foi a campeã de todos os goles), à viagem, etc. Eu sabia o resultado de tudo aquilo. E sabia que ia sobrar pra mim. Foi uma noite divertida, mas isso é tema de outra crônica. O fato é que às 1h30, as jovens precisavam de um Taxi.

Mas não só precisavam de um Taxi; precisavam de algum taxista que topasse levar os sete estudantes de volta para casa no mesmo carro. Afinal, como já foi dito, éramos estudantes, e isso é quase sinônimo de “pobres”. Depois de muitos “nãos” ditos com caras amarradas e olhares de reprovação, fomos parar no Taxi de um rapaz de mais ou menos 28 anos (nunca soube exatamente sua idade), cabelo

baixo e rosto cansado.

O jovem foi acompanhando o motorista na frente, enquanto as seis jovens se apertaram no banco de trás. Não sei como consegui respirar e falar, mas o fato é que tentei negociar com o taxista, no meio do caminho.

- São R$ 2,00 por “cabeça”.

Achei ridículo ele comparando o taxi a um serviço de Buffet. Enquanto isso, as meninas gritavam, riam e cismaram em hablar español. Em meio a esse tumulto, minhas palavras soaram quase como um suspiro.

- Pô, moço, faz mais barato! Vai dar R$ 14. Na vinda, a corrida custou R$ 10 com o outro taxi... Faz mais barato, fecha nos R$ 10.

- Mas o outro Taxi não enfiou 7 pessoas em um carro.

Era verdade. Que tratante. E as meninas cont

inuavam gritando, e eu senti que estava perdendo os poucos nervos que me restavam. Clamei por silêncio, e enfim fui atendida. Mas não tive êxito na barganha. O taxista estava convicto do preço que propusera.

- Qual es tu nombre? – perguntou uma das meninas bêbadas em um portunhol engraçado.

- Ribamar – respondeu tímido, embora estivesse achando uma comédia.

- Juan? Juanito! – uma voz histérica tinha acabado de batizar Ribamar com seu mais novo codinome.

Ribamar não prendeu o riso dessa vez. Participou da brincadeira e respondia às frases em portunhol, ainda que em português. Chegamos ao destino e pedimos o cartão de Juan. Sim, feitas as apresentações devidas, volto a chamá-lo como sei chamar. Juan. Porque não dá para ser de outra forma.

No dia seguinte

, a continuação da saga.

- Alô, Juan?

- Pois não?

Ele já havia incorporado o personagem.

- Nós sete de novo.

- To chegando aí em cinco minutos.

E lá estava Juan. Dessa vez, mais solto. Mais sorridente. E com a música alta no carro. E então a gente se apertava no Corsa Sedan que ganhou nossos corações. Finda a festa, ligamos mais uma vez para Juan. E no outro dia, a mesma coisa. Suponho que ele estava começando a acreditar que realmente se chamava Juan. Ele estava mais brincalhão a cada corrida. Descíamos a ladeira íngreme em alta velocidade, gritando e com as mãos para o alto. No penúltimo dia, fizemos uma proposta.

- Juan, pega teu taxi, tua mulher e teus meninos e vá trabalhar em João Pessoa.

Nessa brincadeira, desco

brimos que era casado, não tinha filhos, mas tinha três lindos cachorros. E que não sairia de Campina Grande. Compartilhamos com Juan as vitórias dos trabalhos apresentados no Congresso; como a festa tinha sido boa; como estava frio; como a cidade estava cheia de gente. Foi quando entramos no Taxi de Juan pela última vez.

Se isto soou trágico, me perdoem. Deixem-me corrigir: Entramos no Taxi de Juan pela última vez naquela viagem. Parecíamos amigos de infância. Dissemos que tinha sido massa, agradecemos o preço (sempre R$ 2,00 por “cabeça”) e as vezes que ele nos socorreu em plena madrugada.

- Poxa, foi muito bom ter conhecido vocês – disse ele, finalmente – quando voltarem a Campina lembrem-se de mim. Vocês têm meu cartão.

Sim, a gente tinha o cartão do Ribamar na carteira. E todos nós tínhamos o telefone do Juan na agenda do celular. No dia seguinte, está

vamos no carro, voltando para casa. Em meio à depressão pós-viagem, lembramos do taxista loiro pai de três cachorros. Sem pensar, ligamos para ele e ativamos o viva-voz.

- Alô, Juan – eu disse, em um tom amigável.

- Opa! – respondeu Juan. A gente quase pôde vê-lo sorrir do outro lado da linha. Nós desconfiamos que ele não sabia quem estava falando. Ele não nos conhecia individualmente. Nos conhecia como uma massa homogênea de sete pessoas que se enfiavam em seu carro. Mas éramos uma massa de clientes bagunceiros que conseguimos construir um relacionamento incomum com um taxista. Mais que isso: éramos oito jovens que tinham se entendido.

- Dá pra levar nós sete para João Pessoa a R$ 5,00 por cabeça?

- Não, por causa da polícia rodoviária...




PS: A PEDIDOS, SEGUE A FOTO DO FAMOSO JUAN!

Como foi tirada de surpresa, ele foi pego em seu pior ângulo! Hahaha

Quando estiver em Campina Grande -PB, ligue 8879-7307 a qualquer hora do dia.



quarta-feira, 9 de junho de 2010

E ali, presente, o Nada.

A praça estava praticamente vazia. O vento uivava por entre as poucas folhas que restavam nas árvores. As demais estavam colorindo o chão de um alaranjado doentio. Era fim de tarde; o sol já estava se pondo. O que ainda se podia ver eram seus últimos raios fraquejantes, que escapavam além das colinas. Ah, as colinas. Elas compunham o pano de fundo daquela cena nostálgica, onde eu podia quase sentir o cheiro do algodão doce de anos atrás. Ainda havia a mesma placa com a inscrição "Não pise na grama". Agora ela pendia para um dos lados, decadente. Os bancos estavam velhos, mas ainda graciosos. Pude fechar os olhos e voltar à cena de meu primeiro encontro com Timóteo. Mãos trêmulas, olhar apaixonado, medo de um futuro não muito distante. Voltando à realidade, lembrei que o mesmo rapaz, que andava com um terno branco galante, jazia em algum túmulo com vestes negras. O cheiro de algodão doce ainda penetrava em minhas narinas. Mas o Joaquim não estava lá. Seu filho continuara com o negócio durante alguns anos. Mas não havia mais vendedores de algodão doce naquele lugar. Não havia mais os pássaros cantadores que formavam a perfeita sinfonia das manhãs de domingo. Tudo parecia sem vida. Tudo parecia sem cor, não fosse o chão coberto pelas folhas mortas. O sol já havia se posto, e os poucos transeuntes já haviam partido. Me vi completamente só, acompanhada somente pelas minhas lembranças. O passado tinha se tornado minha melhor companhia. Permaneci naquele lugar falido, observando uma beleza existente apenas em minhas memórias.

Primeiro Encontro - Parte 1

PS: A pedidos, aqui vai mais uma história da Dri. Aos homens que me lêem, meu sincero desejo é que a Dri os ensine a como lidar com uma mulher de TPM. E meninas, divirtam-se. Percebam como somos mesmo exatamente assim.


Definitivamente eu não agüento mais esperar. O pior é que nem posso roer as unhas, já que elas me custaram R$ 20. E você, celular, fica aí na minha frente. Mergulhado em um silêncio sepulcral e com esse visor apagado. Toque. Agora, de preferência. Ai, meu Deus... A gente sabe que tá ficando louca quando começa a falar com os objetos. Toque. Putz! Eu realmente não espero mais nada dos homens.

“Vou te ligar nessa semana para a gente pegar um cineminha”. E já se passaram dois dias. Dois dias! O que ele está pensando? Que eu vou ficar esperando ele ligar pelo resto da vida? Não mesmo, vou agora mesmo ligar para a Paulinha. Não. Ela certamente vai me chamar para uma noitada. E tudo que eu mais quero hoje é me afogar em algum livro de poesias juvenis. Daquelas bem clichês mesmo. Pronto. É isso que farei agora.

Ora essa. “Vou te ligar”. E ele nem é tão bonito assim. Eu sabia! Eu sabia que ele estava interessado de verdade na Marcela, e não em mim. Cafajeste! Querendo se aproximar de mim por causa dela. E esse celular não toca de jeito nenhum. E já são 18h45. Se ele ligar agora, exatamente agora, eu vou dizer que estou com muita dor de cabeça. Falando em dor de cabeça, acho que minha cólica já criou defesa contra o Buscopan. Acho que vou ser adepta da idéia das facadas na barriga mesmo. Cruzes, o que estou dizendo?

Ah não! Não acredito! Não posso acreditar que estou ouvindo o Nokia Tune em alto e bom som! Sempre disse que precisava trocar esse som ridículo e... Não! É ele! Cafajeste. Sem coração. Insensível. Claro que não vou sair com você. Nem vou te atender. Pode ficar esperando!

“Alô? Ah sim, claro. Hum rum. Hum rum. Não, não. Eu, indiferente? Não, não. Hoje? De que horas? Ah, posso sim. Está tudo bem. Pode ter certeza disso. Outro.”

Indiferente. Me conhece há 5 dias e pensa que pode conhecer meu tom de voz. Eu não acredito que aceitei. Eu sou uma fraca. Uma perdedora. Mereço de verdade sofrer ao lado dessas criaturas detestáveis que fazem xixi de pé!

Vamos lá. Que roupa escolher? Bom, para o primeiro encontro, algo que revele um pouco de mim, mas que mantenha o mistério. Nada vulgar, é lógico. Vou usar meu jeans de sempre. Isso. Ele me valoriza. Até porque esta hemorragia me deixa toda inchada. É isso! Não é gordura. É somente inchaço. Mas que dia pra ficar parecendo um balão hein? Mas oras. Ele nem é tão bonito. Quanto à blusa, acho que essa baby look branca. Porque hoje eu estou zen. Estou da paz. O banho! Estou imunda! Ai meu Deus, essas coisas sempre acontecem comigo...

Lux Chocolate. Hum. Esse mesmo. Para uma pele sedutora? Se bem que com essa barriga inchada, esse rosto cheio de espinhas, não tem sabonete que dê jeito. Putz, essa água é pra ferver batatas ou para eu tomar banho? Vai dilatar todos os poros da minha pele! Falando nisso, eu já escolhi meu sapato?

Droga! Estou pingando a casa toda! E depois isso vai sobrar pra mim. Ai, que cólica! Que vontade de fazer uma cirurgia caseira com um garfo e faca e arrancar fora este útero problemático. Vamos lá, por partes. Argh. Não agüento mais ver esse absorvente. E que preguiça de tirar os adesivos, com todo o cuidado pra abas não grudarem. Nessas horas eu queria ser Adriano. De preferência o do futebol, para ser muito rico e pegar uma loiraça.

Meu Deus! Esta calça está apertadíssima. Sem problema. Ela está lavada. E eu estou inchada. Hehe. Somente isso. Quanto ao sapato, deixe-me ver... Hum. Vou com esse salto médio, mesmo sabendo que vai ser a desgraça da minha vida. Neste mês a bendita cólica veio acompanhada de uma insuportável dor nas costas e nas pernas. Que vaidade besta. E ele nem é tão bonito assim. Onde está meu secador?

Bendito telefone, que hora pra tocar? Preciso mudar esse toque. Nokia Tune é de trazer enxaqueca a qualquer cristão. Deve ser a Paulinha. Que? É ele? Será que vai ligar desmarcando tudo? Cafajeste. Homem não merece confiança. Sou uma idiota.

“Alô? Sim, sim. Já está saindo de casa? Mas eu... Não, não; quase! Tá OK. Outro.”

Que louco! Em que planeta ele vive? Liga marcando um cinema para hoje, e pensa que eu vou conseguir me arrumar em 1h20. Ainda falta um make up básico, arrumar o cabelo e em seguida partir pro ritual de transferência de itens para a bolsa de hoje. Cafajeste. Insensível. Eu deveria ligar desmarcando tudo.

Vamos lá... Um pozinho, um rímel e um pouco de blush alaranjado. Está bom. Não tem para que essa vaidade toda. Não estou nem afim de me arrumar. E quanto a você, Cabelo... deixe-me ver. Horrível! Você está horrível! Você me odeia! Vou cortá-lo estilo “Joãozinho”, lançá-lo fora da minha vida! Por favor, me ajude! Não tenho saída. Vou prender você. Agora sim. Fique na sua. Seu... Rebelde. De novo não.

“Alô? Ah tá. Tá bom. Estou descendo.”

Pra completar a noite, vou com a mesma bolsa de ontem. E de antes de ontem. Tomara que ele não perceba. Ai meu Deus, que vergonha. Ele com certeza vai pensar que é minha única bolsa.

- Boa noite.

Pô, para de mostrar os dentes como se fosse o dia mais feliz da sua vida. Não tente me agradar. Você fez com que eu me arrumasse nas pressas. E não trocasse de bolsa.

- Boa.

- Você está bem?

Ah, lógico! Estou feia, inchada, com o cabelo horrível e a mesma bolsa de três dias atrás. Sem contar uma cólica de enlouquecer e fortes dores nas costas e nas pernas.

- Estou sim.

- Que bom.

Acho que percebeu que não estou muito afim de falar. Boa idéia, uma musiquinha nesses momentos é a melhor saída. Dizem que a gente conhece alguém pelo gosto musical. Se ele vier com a coletânea de Lady GaGa eu prometo que me jogo desse carro. Putz. Chico Buarque. Preciso comentar.

- Tatuagem, adoro essa música.

Ai meu Deus, será que ele percebeu que enchi os olhos de lágrimas? Esse cara é um tapado mesmo. Será que ele nunca ouviu dizer que diante de Chico Buarque todo homem é um corno em potencial? Já dizia Nelson Rodrigues.

- Tem alguma preferência pro filme de hoje?

Isso lá é pergunta que se faça? Lógico que sim. Está em cartaz o novo romance com aquele bonitinho, como é mesmo o nome dele? Ashton Kutcher, eu acho. Ou seria Richard Gere? Não importa. Esse inútil deveria saber que EU sou a convidada, EU vou decidir a porcaria do filme.

- Não.

- Ah. Eu vi o trailer de um filme de ação que parece ser ótimo. Você gosta?

Ação. Filho, você está saindo com seus amigos machos ou com uma dama? Até parece que não enxerga minha situação. Tô com cara de quem tá afim de ver bang-bang e bandido explodindo bombas em prédios? Insensível.

- É. Pode ser.

Me arrependi de ter dito isso. Me arrependi de ter saído de casa. Esse cafajeste não para de mostrar os dentes. Como se o hoje fosse o dia mais feliz de nossas vidas. Não se iluda, garotão. E se tiver amor à vida, não me faça assistir essa porcaria de filme. Falando nisso, será que eu trouxe meu Buscopan?

terça-feira, 8 de junho de 2010

Passos

Andou lentamente em direção ao seu apartamento, com todas as palavras ainda ecoando em sua cabeça. Olhava para baixo, para o piso de pedras cinzas. Percebeu um pequeno vulto branco, que julgou ser um roedor da noite. Não teve medo: sua atenção estava muito voltada para cada passo que dava. Quantos teriam sido? Uns 40? 50? Não sabia. Mas andava tão lentamente... a ponto de perceber o chão sob seus pés, como nunca havia feito.

Pensou que na vida as coisas são assim. Pisamos às vezes sem perceber. Não sabia que passos daria dali para em diante. Mas de uma coisa estava convicta: em cada passo, tentaria perceber o chão; não importando se ele fosse de pedras, de areia, liso, enrugado, duro, quente, frio ou gelado. Isso é (e ela sabia disso) imprevisível.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

La Night

Ao leitor: Resolvi apostar em uma temática urbana e contemporânea, e em uma narrativa diferente. É bem o oposto do que vocês tem visto nas histórias do interior (que confesso ser minha paixão e foco no momento). Conta a história de uma moça em uma situação bem adversa. Ficou um pouco grande, agradeço a paciência de quem ler. :)


***


Ah meu Deus. Não acredito que esta maldita buzina já está me apressando. Droga. Ainda não passei o rímel. Ainda não fiz a transferência dos itens da bolsa de ontem para a bolsa de hoje. Ai, droga. Sempre tropeço nesse degrau. Principalmente quando estou com um salto desta altura.

Será que escutaram eu dizer que já estava descendo? Não importa. Já estou a caminho da “grande noite”. Eu falei para a Paulinha. Estou de TPM, briguei com minha melhor amiga, e meu poodle não pára de vomitar. Cogitei a possibilidade de desistir, até ver o sorriso de quase 30 centímetros da Paula.

Quando dei por mim, já estava sentada no carro, com aquele “tuntz-tuntz” terrível, duas meninas que gritavam e cantavam e riam, tudo muito alto. Comecei a acreditar naquela velha história de que mulher fala demais. Putz, será que eu era assim também? Não acredito. Ainda ia ter que suportar a Carla, a Mara, e sabe-se lá quantos outros seres gritantes. Falando nisso, será que essa saia está muito curta?

Esqueci imediatamente da saia quando vi que estava automaticamente descendo do Pálio prateado da Paulinha. “La Night” era o nome do lugar. Pessoas estranhas. Seres gritantes. Aos montes. Lembrei do Legião Urbana. “Festa estranha, com gente esquisita”. E eu definitivamente não estou legal.

Quanto? R$ 25? O que essas loucas estão pensando? Vou pagar essa fortuna para ouvir um tuntz-tuntz irritante e dançar loucamente com os seres escandalosos? Jamais.

Tá bom, não tenho escolha. Espero que esse rapazinho não tenha troco para R$50. Torço por isso de todo o coração.

Que porcaria, hein? Passa meu troco para cá, seu tratante. Oh Céus. Agora as loucas frenéticas estão me conduzindo ao interior desse lugar misterioso, com luzes neon de doer na vista e uma música para estourar os tímpanos de qualquer cristão.

Muitas pessoas. Não sabia que ali caberiam tantas. 98% delas com algum drink mágico na mão. Uns soltam fumaça, outros têm com cores diversas. Uns estão em chamas, e isso está me dando náuseas. Os risos, gargalhadas, conversas e gritos misturam-se com o mais novo sucesso de Lady Gaga. Provavelmente eu não volte a ouvir depois dessa noite. A propósito, quanto tempo ficaremos aqui mesmo? Até umas 2h, talvez. Espero que antes.

Ah, que maravilha. Minhas amigas escandalosas encontraram o resto do bando. Putz. Definitivamente minha saia não é curta coisa nenhuma. Essa loira está praticamente com um tapa-sexo. Que ridículo. Ah não! Conhecê-las? Ninguém entende que estou meio anti-social hoje? Mas tudo bem. Quê? A Paulinha me apresentando como Dri? Não tenho intimidade com a loira devassa e suas comparsas.

Acabo de descobrir o nome da dita-cuja. Nati. Nati o caramba. Contente-se com um Natália. Aliás, não dirija-se a mim. Flá, Fê, Má e Cá. Esses são os nomes de guerra das integrantes da trupe da Natália. E eu sou ADRIANA. A-dri-a-na. Não. Não pode chamar de Dri. Deixa esse privilégio para uns 10 ou 15 no máximo.

Oh, uma notícia boa. Estamos indo procurar uma mesa. Era tudo que eu queria. Sentar em um daqueles puffs, pedir uma água mineral e tomar o quinto Buscopan da noite. E então assistir as loucas dançando freneticamente. Falando nisso, será que estou conseguindo esboçar um sorriso sincero?

Até que o puff é macio. Não sei o que houve nesse mês. A cólica está centenas de vezes pior. Como se fossem socos na região do meu útero. Ai, chega pra lá. Será que essa Má não percebe que eu preciso de um puff só meu? Ou será que essa é a Flá?

Opa, o garçom veio anotar os pedidos. Licor? Caipiroska? Dry Martini? Não, obrigada. Ei, por que estão rindo de mim por ter pedido uma água mineral? Eu mereço. Eu já decidi. Vou pegar um taxi. Vou me afogar em uma panela de brigadeiro. De preferência, atolada em meus lençóis. E tudo que quero ouvir é a trilha sonora do meu ar-condicionado. É isso mesmo que vou fazer.

Se a Paulinha soltar meu braço, é claro. Pra onde estamos indo? Ah não. Dançar? Não acredito. Hoje não é o dia de ação de graças. E já fiz minha boa ação do dia. Não tenho motivos para estar aqui, nessa rodinha de seres gritantes e dançantes. Vou sentar. Tchau.

Ah não, Paulinha. Não faz isso. OK. Vou passar uns minutos aqui, antes que a loira venha insistir, com seu hálito de álcool e seu perfume enjoativo. Todas pareceram me esquecer quando começou uma música. Acho que já ouvi antes. Minha irmã escuta sempre. Um tal de David Guetta. Fala algo sobre sexy bitches, até onde eu sei. Baixaria.

Obrigada pela água, tio. Era tudo que eu precisava. Droga, onde está o Buscopan? Aqui, achei. Mania feia de colocar comprimidos nesse bolsinho da bolsa. Falando nisso, que horas já devem ser? Que horas vamos sair daqui?

De volta à rodinha. Todas com seus respectivos drinks. Todas dançando até o chão. Todas cantando em gritos. Fiz uma mini-prece para que me sobrassem nervos e tímpanos depois daquela noite. Ai. Que dor de cabeça. Não devia ter saído de casa hoje. Epa. Quem é você que não para de me olhar?

Cai fora. Odeio caras magrelos. E seu cabelo mais parece a crista de um galo. Oh não. Não se aproxime, por favor. Oh Céus. Você usa 212? O perfume do meu ex-namorado. Sai já daqui. Não percebe que estou te fulminando com os olhos?

Não, não quero dançar. Nem vou te dar meu telefone. Excluí meu Orkut, a propósito. Ei, alto lá! Mantenha os 20 centímetros de distância! Que é isso? Pior de tudo é sustentar esse sorriso. Meu maxilar está doendo. Isso, cara. Se manda. Au revoir. Até nunca mais. Magrelo. Cabeça de galo. Fedorento. Ops. Fedorento não.

Oh Céus. Que nojo. A loira devassa acaba de vomitar no pé da Cá. Ou será a Flá? Eu bem que desconfiei que ela tinha tomado todas. Acho que o Dry Martini que ela pediu foi a gota d’água. Ou aquilo era uma Caipiroska? Pouco importa. Não, não estão querendo que eu ajude a carregar ela pro banheiro né? Pô, eu estou com cólica! Ninguém aqui sabe o que é isso? Será que esses seres gritantes e dançantes são também mutantes? Só eu que passo por isso?

OK. Venha, Natália. Apóie-se em mim. Isso. Detona comigo. Mas detona mesmo. Porque se eu sobreviver vou dar facadas na barriga para aliviar a dor quando chegar em casa. E vire para lá seu hálito de qualquer que seja a bebida, faz favor. Argh. Falando nisso, onde deixei minha bolsa mesmo?

Não, Natália. Não faz assim. Argh. Isso. Vomita tudo. Põe pra fora. Talvez você aprenda. As outras integrantes da trupe estão preocupadas. Talvez seja a hora de ir para casa. Será que devo sugerir? Ai meu São Google. Eu preciso sugerir. Seja o que Deus quiser.

Não acredito que concordaram comigo. Dessa vez, a Flá e a Fê levaram a amiga bêbada para fora da La Night. Ou seria a Má e a Cá? Não importa. O que importa é que estou me despedindo dessas luzes, dessa música irritante e dessa gente toda. Acabo de jurar pelas minhas duas avós amadas que não volto a um lugar como esse jamais.

Buzinas. Conversas. Risos. E a música ensurdecedora de minutos atrás agora é apenas um background na rua. É, eu ainda tinha minha audição. 30x3 é 90; esse ano tem Copa do Mundo; meus pais se chamam Antônio e Lúcia. Ainda tenho neurônios também.

Nunca amei tanto entrar no carro da Paulinha como estou amando agora. De volta para casa. De onde não deveria ter saído. Estou com fome. A idéia da panela de brigadeiro veio bem a calhar. Juro que depois desconto tudo na academia. Citando os Teletubbies, é hora de dar tchau. Não posso acreditar.

Será que vou ser castigada por essa mentira? O que eu ia dizer? Que a noite foi uma porcaria e que eu odiei suas amigas? Definitivamente não. Falando nisso, será que ainda tem leite condensado?