sexta-feira, 30 de julho de 2010

Politica(gem)

Ano de eleição. Época de promessas e apertos de mão. Cartazes, jingles, carros de som, adesivos em automóveis e roupas. Beijos em criancinhas, candidatos do povo. Gente que pede telha, que pede cimento, que pede autógrafo. Que agarra candidato, que “xinga no Twitter”, que veste a camisa. Enquanto para alguns votar no dia 3 é cumprir uma obrigação, para mim é a expressão máxima da cidadania e do poder do povo. Enquanto para uns o guia eleitoral é aquela coisa chata que atrapalha a novela, é uma das poucas vezes na vida que eu paro diante da TV. Porque cidadão tem que gostar de política. Tem que se interessar. Tudo bem, se você não gosta da “politicagem”, das bandeiras e santinhos; das carreatas e discursos... Goste somente de política. Esse discurso de que “não gosto de política por que só tem ladrão” é um mimimi que não vai levar o país a lugar nenhum. Você tem um poder grande em suas mãos. Não o venda. Seus antecessores sofreram o jugo da ditadura e da oligarquia cafeeira. Hoje você é livre para decidir o melhor. Não deixe que o nhém-nhém-nhém partidário oriente suas decisões. Não é disso que nossa Paraíba precisa. A briga Cunha Lima xMaranhão não vai matar a fome do nordestino. E para decidir, é preciso conhecer. Assista o guia eleitoral. Leia os folders. Entre nos sites e acompanhe os twitters. E é nisso que entra a parte mais linda: A comunicação social cumprindo seu papel de informar o eleitor. ♥ Marketing Político, muro pintado, andar na caminhonete em carreata e brigar por candidato? Tá falando com a pessoa certa.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Poeminha da desconfiança

Um menino certa vez

Disse “não” à namorada

A bixinha, tão tristonha

Foi chorar descabelada.

Tudo isso por não entender

Os mistérios da rapaziada.

Quando digo, não entendem:

A vida é fácil e engraçada.



“Ele não gosta mais de mim”

Pensou triste a mocinha

Tinha sido abandonada

E o menino ia para uma festinha.

Ficou doida, ficou maluca

E resolveu dar uma espiadinha

Quando digo, não entendem:

A vida é fácil e engraçada.


Botou um salto e maquiagem

Ficou tão linda, a donzela

“É hoje que eu pego o crápula”

Pensou a nobre cinderela.

Ele pensa que vai à festinha

E vou brincar de aquarela.

Quando digo, não entendem:

A vida é fácil e engraçada.


Pegou o carro do pai escondido

Com um sorriso calado

Ao longe viu o bandido

No carro rebaixado

Chorava compulsivamente

“Que ele não me veja nesse estado”

Quando digo, não entendem:

A vida é fácil e engraçada.


Viu de longe o namorado

Entrando no prédio de esquina

Fingiu ser convidada

E entrou confiante, a tal menina.

Observou o elevador no 6º

“Então é no 6º a festinha”

Quando digo, não entendem:

A vida é fácil e engraçada.


A menina encheu o peito

Brilhou os olhos de rancor

Ia flagrar aquele sujeito

Matá-lo ia aplacar sua dor.

Onde se viu trair donzela,

Homem sem pudor?

Quando digo, não entendem:

A vida é fácil e engraçada.


Parou na frente da porta

E entrou como furacão

Viu uma ruma de macho

Que ao vê-la abriram o bocão

“Que faz aqui mulher?”

“Por que ela veio, João”?

Quando digo, não entendem:

A vida é fácil e engraçada.


João ficou encabulado

Pela ousadia da namorada

E a moça ao ver a cena

Ficou de fato abismada:

Homens jogando videogame

E na mesa uma coca gelada.

Quando digo, não entendem:

A vida é fácil e engraçada.


Armou-se grande confusão

A moça chorou, envergonhada

“Perdoe-me amado João

Por ser tão desconfiada”

“Eu te amo”, disse João,

“Mas videogame é coisa sagrada”

Quando digo, não entendem:

A vida é fácil e engraçada.


A moça então entendeu

O futebol como paixão

Seja no campo, praia, quadra

Ou na frente da televisão

Nunca mais brigaram por isso

E viveram em linda comunhão

Quando digo, não entendem:

A vida é fácil e engraçada.


Por isso a advertência

A toda a mulherada

Entendam que o futebol

É a SEGUNDA NAMORADA!

E antes homens e uma bola

Do que uma piriguete ouriçada!

Quando digo, não entendem:

A vida é fácil e engraçada.


quinta-feira, 15 de julho de 2010

13 motivos para casar com uma publicitária!

Quanto tempo sem postar, hein gente?
Hoje vim com temática e estilo diferentes. Vi muito por aí os motivos para se casar com médico, engenheiro, jornalista, fotógrafo... E não achei nada para nós publicitárias. Claro que a lista se estende aos publicitários também. Bom, não estou procurando casamento e muito menos querendo criar esteriótipos de como é um publicitário. Tem suas verdades. Em alguns casos, todas se aplicam; em outros, só algumas. Whatever, aqui estão!

12 Motivos para casar com uma publicitária

  1. Como para ela a embalagem é importante, vai estar sempre bonita, perfumada e arrumada.
  2. Ela conhece estratégias de marketing pessoal, logo, seus amigos vão aprová-la e gostar da companhia dela.
  3. A profissão exige que se tenha um conhecimento geral do mundo, logo, ela sempre terá assunto para uma boa conversa.
  4. Publicitário tem que ralar muito para ser alguém na vida... Logo, ela vai trabalhar tanto que só terá tempo de ter olhos para você.
  5. Um filme com ela não será só um filme. Será toda uma análise da fotografia, trilha sonora, efeitos especiais... Uma aula.
  6. Ver comerciais na TV nunca será tão divertido. Com o tempo você aprenderá a ver beleza nessas coisas. Inclusive em guia eleitoral gratuito.
  7. Ela tem contatos no mundo da mídia e dos eventos. Logo, deixe que ela pense nos detalhes da festa de casamento. É sucesso garantido.
  8. Os melhores momentos da vida a dois serão registrados em lindas fotografias em plano médio, americano, principal; além de todas as suas espinhas e olheiras sumirem magicamente no Photoshop.
  9. Os nomes de seus filhos serão escolhidos por significado, combinação com sobrenome, boa sonoridade...
  10. Como boas comunicólogas, adoram se comunicar e fazem isso com esmero. Vão te deixar a par de tudo e a vida delas é um livro aberto.
  11. Têm boa capacidade de negociação. Elas vão negociar fácil com você a viagem do fim de semana, levar as crianças na escola, pagar as contas no banco.
  12. Sua casa será extremamente bonita e organizada. O senso artístico de design estende-se à disposição, cores e modelos de mobília.
  13. E agora, o top: Comunicólogos são conhecidos mundialmente por seu carisma, descontração e bom humor. Olha só o naipe!

terça-feira, 6 de julho de 2010

Memórias de um cético

Agora que cheguei ao final da corrida, ainda que como perdedor, assumo que fui um cético. Nesta tarde fria de outono, em algum lugar da Romênia, permaneço imóvel diante de uma lareira que em nada aplaca o frio que se faz presente em mim. Preso em minhas lembranças, não me incomodo ao perceber que meu chá preto está esfriando... Esfriando como meu coração esfriou. Graças à maldita descrença, saí do meu Recife para este ambiente inóspito.


Amor, família, Deus, Diabo, valores, paraíso, felicidade, prazer. Palavras que não passavam de vocábulos a serem evitados. Sequer na poesia eu tinha esperança, nem mesmo em crianças eu via beleza. Arte comprada. Futuros hipócritas. Apeguei-me fielmente à ciência dos cálculos. Ah, a engenharia! Esta não deixava dúvidas quanto à sua razão de ser.


Acompanhei meus pais à Igreja até meus dezesseis. Até os dez, esperneava para brincar em algum lugar do pátio. Dos dez em diante, apenas permanecia de cabeça baixa. Não tive amigos; para ser bem sincero, não permiti demasiada aproximação com as pessoas. Nunca me deixei convencer por aqueles sorrisos glamourosos ostentados em festas sociais.


Não tive mulheres. Com exceção de uma. Apenas uma. Mas isso já faz muito tempo. O calor inebriante de Copacabana me conduzira àquele momento. Era uma russa muito branca, mais alta do que eu. Lembro bem de seus cabelos loiros que gingavam conforme o vento, por vezes mostrando as curvas delicadas de seu pescoço. Seu nome era Zoya.


Zoya trouxe vida aos meus vinte e poucos anos. Falava-lhe com entusiasmo sobre engenharia, planetas, ciência e filosofia. Em troca, ela me trazia um discurso moralista de fidelidade, amizade, fé e esperança. Falava de filhos, futuro, sonhos e outras coisas que fazem os homens perderem os miolos.


Sentia que estava me convencendo dessas verdades, quando Zoya partiu sem deixar outro rastro que não seu perfume. Em minha roupa, em minha casa, em minha vida... Tudo exalava o bálsamo daqueles cabelos. Mas ela se foi. Sem deixar uma carta. Sem lágrimas. Sem algo que tornasse seu discurso algo mais do que palavras simplórias. Fui levado, naquele momento, pelo instinto racional masculino: Fiquei perdido, conduzido pelos passos da senhorita.


Depois disso, construí uma rotina segura de estudos, pesquisas e leitura de clássicos. Atei-me ao pensamento humanista como um compromisso diário: eu era de fato quem mais importava para o andamento da minha vida, não sendo necessária a interferência de outrem.


Meus relacionamentos limitavam-se a minutos diários com o padeiro, o síndico do prédio, um ou outro vizinho que tomava o mesmo elevador. Observava as pessoas e seus comportamentos hostis e desonestos, jamais permitindo que se aproximassem de mim.


Não sei por que essas memórias invadem minha mente todo fim de tarde. Se for a lareira, que me lembra o calor de Copacabana, que seja retirada! Se for o chá que me remete aos cafés matinais preparados por minha mãe, que eu deixe o vício! O que quer que seja, que me deixe em paz!


Fui um cético. Fui um descrente que viveu para colecionar diplomas, e que hoje percebe que a companhia deles me põe sob o eterno jugo do conhecimento demasiado. Viver para os números não me trouxe nada além de um permanente cálculo renal. O medo dos relacionamentos me trouxe até esta poltrona solitária, em algum lugar da Romênia. E esta lareira nem mesmo serve para esquentar meu chá.

sábado, 3 de julho de 2010

Andirá

Era corrente dizer que a moça tinha esse nome por causa da noite em que nascera. A velha índia da tribo dos Potiguaras, Amonati, prevera maldição na vida da criança que vinha ao mundo. Sua mãe, Apuana, tivera fortes contrações, enquanto os homens da tribo ajuntaram-se ao redor do fogo para clamar aos deuses. Moças corriam desnorteadas, algumas em busca de água, outras procurando por ajuda. Amonati permanecia séria. Por vezes perguntara a Apuana se não seria melhor abrir mão da vida da menina.

Não! De jeito nenhum”, implorava a mãe. “Que meu filho tenha o direito à vida!

Conta-se que, naquele momento, um exército furioso de morcegos invadiu a pequena oca mal-iluminada. Naquela hora, ao passo que uma vida brotava, outra se esvaia. Apuana tomou a criança pelos braços e fitou-lhe os olhos. As moças abraçavam o corpo da mãe, que jazia sobre as folhas de palmeira. Os morcegos dançavam loucamente, emitindo sons que pareciam gargalhadas ferozes.

Amonati, que tinha trazido a menina ao mundo, decidiu chamá-la Andirá, que em tupi significa morcego. A velha desejava, com isso, que durante toda a sua existência, ela pudesse lembrar de como viera ao mundo: roubando a vida de sua mãe.

I

Aos primeiros sinais do novo dia, Aruana partiu para a caça. Era conhecido por sua velocidade e destreza. Caminhou lentamente por entre as árvores, em busca de seu alvo. Como se flutuasse, pisava nas folhas secas sem fazer barulho. A concentração do índio, porém, foi quebrada por um ruído distante. Andou sorrateiramente alguns metros até que descobrisse o bicho causador do incômodo.

No rio Javaés, Andirá cantarolava. A índia de cabelos negros e pele dourada banhava-se tranquilamente nas águas calmas e esverdeadas, com o corpo submerso e a cabeça inclinada para os céus. Aruana ficou parado, e o único movimento que pode fazer foi baixar a lança. O índio ficou hipnotizado com o canto daquela voz macia. Ele acompanhava cada movimento com os olhos. Sua cabeça balançava, sendo levada pelo ritmo da música e de seu corpo. Era ela a moça que reinava em seus pensamentos, que tirava seu sono e o fazia delirar.

- Aruana?

Como que acordado de um sono profundo, Aruana arregalou os olhos e fez um movimento brusco para trás. A índia agora se escondia por trás das vitórias-régias. O jovem sentiu um misto de pavor e vergonha. Em um ato instintivo diante de um perigo, correu em direção à sua oca. Naquele dia, Aruana voltou sem nada em mãos, mas com muito em seus pensamentos. Deitou-se em sua rede e se permitiu viver plenamente no campo dos sonhos.

II

Andirá vestia-se apressadamente depois da fuga de Aruana. A moça bonita era tímida, e jamais tinha se envolvido com homem nenhum. Crescera ouvindo sobre a morte de sua mãe, e se julgava merecedora da maldição que lhe fora prometida. Temia que um rapaz herdasse a praga ao se casar com ela. Andirá sentou-se em uma rocha na beira do Javaés e desatou a chorar. Clamou aos céus e à natureza; clamou por uma resposta, por uma direção. Tudo que ouviu, porém, foi o silêncio.

O silêncio foi interrompido por sons que vinham ao longe. Temeu que fosse a tribo dos Yanaytas, os ferozes canibais. Eles aterrorizavam a aldeia desde que a moça era uma criança. Achou que fossem muitas pessoas, e pareciam trazer armas. Andirá correu para o arbusto mais próximo e ficou em silêncio. As vozes tornavam-se ensurdecedoras à medida que se aproximavam. Andirá chorava silenciosamente, temendo uma invasão da tribo inimiga. Pôde ver sombras, que se transformaram em vultos, que viraram pessoas. Não eram os Yanaytas. Não eram os homens de sua tribo.

Nunca os tinha visto antes. Tinham a pele branca, os cabelos claros e alguns tinham o rosto coberto por pelos. Traziam lanças de modelos diferentes dos que havia visto. E estavam falando algo incompreensível. Andirá temeu que não estivesse ali por motivos de paz. Observava suas gargalhadas nervosas, seus olhares secos. Trajavam muitas roupas, e traziam bolsas consigo. Pareciam estar procurando por alguma coisa. Ou por alguém.

- Oi, menina.

Uma superfície áspera tocou os ombros de Andirá. Como falara em tupi, a moça pensou que podia ser Aruana, em uma tentativa de pedir perdão. Quis dizer para que ele fugisse daqueles homens sem cor. Pareciam perigosos. Mas Andirá sabia que não era seu amigo. Aquela não era a melodia da voz de Aruana; voz que conhecia tão bem desde que era uma criança. A voz insistia mais firme:

- Menina! Olhe para mim.

Andirá tentou inutilmente escapar com um movimento brusco, sendo facilmente agarrada pelo homem. Seus olhares por fim se encontraram. O homem usava uma espécie de chapéu. Tinha apenas uma pena vermelha, enquanto o cacique de sua tribo usava um com várias. Seus olhos eram da cor das águas do Javaés, e jamais vira uma pele tão pálida. O homem deu um meio sorriso. Parecia achar engraçada a expressão de horror da jovem índia.

- Qual o seu nome?

A índia fitava o homem furiosamente, ainda presa em seus fortes braços. O homem falou algo para o resto do grupo. Andirá não entendeu, mas pareceu que tinha sido uma ordem para que saíssem. Então todos saíram em disparada pelas matas. Andirá viu o terror indo embora, e acalmou-se. Os olhos verdes voltaram a encarar os negros olhos da moça.

- Se acalme – disse o homem – não vou fazer nenhum mal.

Andirá pouco a pouco soltou os braços. Sentiu que perdia a força das pernas e logo estava apoiada no ombro de seu protetor. Fraca, indefesa, impotente. O homem a tomou pelos braços e a sentou na relva, sob uma árvore.

- Me chamo Silvério. E você, quem é?

- Andirá.

A palavra, que trazia consigo a maldição de uma vida roubada, escapou dos lábios da índia lentamente. Após ter revelado sua identidade, a moça abaixou o olhar.

- Bonito nome.

Silvério segurou o rosto da índia com as duas mãos. Em poucos segundos, os lábios vermelhos do rapaz tocaram a boca de Andirá. A moça não lutou contra. Sequer se mexeu. Apenas se deixou conduzir por aquele caminho que jamais havia explorado: a estrada de mão única que direciona dois corações. Em seguida, voltou a olhar para Silvério. Seus olhos já não traziam uma expressão de pânico, mas de conforto. Reclinou a cabeça no ombro do homem, e envolveu sua cintura com seus braços. O único som que ela ouvia eram as calmas águas do Javaés e os batimentos agitados do coração do jovem rapaz. Não se sabe por quanto tempo ficaram perdidos naquele devaneio...

III

A aldeia estava em chamas. Crianças choravam, procurando por seus pais. Homens pálidos corriam pelas ocas, capturando as moças e lutando contra os rapazes. Aruana tinha sido levado por um homem alto para um tronco onde estavam sendo amarrados os índios, que em vão lutavam contra as lanças de metal.

Andirá chegou abraçada com Silvério. A moça parou e olhou para a cena da destruição. Ao longe, viu sua oca, completamente destruída. Os homens brancos, ao que tudo indicava, eram os responsáveis por aquilo tudo. Silvério não pôde conter o constrangimento.

- Andirá, eu...

Uma das moças da tribo, ao ver Andirá acompanhada por um branco, gritou:

- Ela é a culpada! Ela deveria ter morrido, e não a pobre Apuana! Ela trouxe maldição para nossa tribo! Ela invocou esses homens para nos destruir!

Todos calaram diante dessa afirmação e voltaram os olhos para a índia. Agora, com lágrimas nos olhos e passos vacilantes para trás, repetia baixinho:

- Não fui eu... Não fui eu...

Saiu correndo para as matas vestidas da escuridão da noite. Atrás dela, o jovem Silvério buscava tomá-la de volta para seus braços. Amarrado no tronco e com lágrimas nos olhos, Aruana assistia a tudo.

IV

Meses tinham se passado desde o acontecido. E muita coisa tinha mudado também. Os índios entenderam que os homens brancos tinham uma missão importante de ajudá-los a alcançar níveis que jamais conseguiriam sozinhos. Seus rituais milenares foram substituídos por missas. Seus colares e cocares foram trocados pelas pesadas roupas que lhes foram entregues. E sua riqueza escondida na terra foi vendida a troco de objetos nunca vistos antes. As ocas deram lugar às primeiras casas da região. Todos tinham mudado seus hábitos de vida, embora insistissem com alguns: dormir em redes e o excesso de banhos.

Andirá casou-se com Silvério, indo contra a opinião dos anciões, em uma capela improvisada, conduzidos por um Padre. Na frente da Bíblia Sagrada, selaram um compromisso que vingaria até que a morte levasse um deles. Andirá passava o dia em casa, enquanto Silvério saia com os homens para trabalhar.

A moça nunca entendera ao certo que tipo de trabalho era executado. Não era de plantar, colher; isso ficou para os índios. Sabia que tinha algo a ver com as riquezas de seu povo. As riquezas que brotavam da terra abençoada pela natureza.

Desde o episódio do Rio Javaés, Aruana não tinha mais dirigido a palavra a Andirá.

V

Andirá estava próximo ao Rio Javaés. Tinha ido à procura de Silvério, o homem ao qual decidira entregar seu coração. O homem que a protegia, que estava com ela e tinha lhe mostrado um Novo Mundo. Tinha esquecido a sua lendária maldição. Mas não encontrara o marido. Encontrou ali lembranças do passado, quando foi observada por Aruana durante o banho. Sorriu consigo mesma, e lamentou-se por ter perdido seu fiel amigo. Também tinha sido ali onde viu Silvério pela primeira vez. As margens do Rio Javaés... “Esse lugar é misterioso”, pensou. Em seguida, não pôde ver mais nada. Algo lhe encobria a visão, e estava sendo arrastada por alguém que não emitia o menor ruído.

VI

Quando Silvério chegou em casa no fim da tarde, não viu Andirá em seu lugar de sempre, esperando seu homem com um sorriso. Tomado por um súbito desespero, foi em busca de informações sobre a amada. Ninguém tinha visto, ninguém tinha ouvido falar de para onde ela tinha ido. O marido percebeu que não estavam se importando com seu sofrimento. Na verdade, desde o episódio da conquista do território, os membros da tribo não olhavam mais para Andirá. Com exceção de um: Aruana. E foi a ele que Silvério recorreu.

- Jovem – começou, ofegante – por onde anda minha esposa? – fazia questão de lembrá-lo que ela lhe pertencia.

- Andirá? O que aconteceu?

- Não está em parte alguma.

Então saíram juntos, os dois apaixonados, em busca da índia de pele dourada.

VII

A empreitada durou algumas horas, até que Aruana conduziu-os para um lugar. Não queria que fosse verdade, embora sua intuição falasse forte. Enquanto corria, chorava compulsivamente, como se soubesse o final da história. Silvério apenas corria, tomado pela fúria e pela ânsia de encontrar sua amada.

Depois de um tempo, chegaram à cena do horror, conforme dizia o coração de Aruana. Diante dos restos mortais de Andirá, ouviu-se o grito desesperado de um homem que perdera sua mulher. Ouviu-se também, ainda que muito baixo, os sussurros de choro de um homem que perdera sua deusa.

Já era noite, e os morcegos enfeitavam de piruetas o céu dos Yanaytas.