Era uma garota como qualquer outra garota do sertão de Pernambuco. Era até mais bonita que a maioria delas. Cabelos louros, pele branquinha, olhos cor de mel. Estava no primeiro ano do ensino médio da Escola Estadual Prof. Pedro Pedrosa. Tinha quinze anos, com sorriso de menina e olhar de mulher. O único problema era seu nome. A moça tinha vergonha. Tinha raiva. Não gostava. A hora da chamada sempre era um sofrimento.
- Juriara?
- Presente – respondia timidamente.
Juriara. Porque não Priscila, Jéssica, Laís, ou Ana? Suas amigas é que eram sortudas. Mas seus pais tinham resolvido homenagear a si mesmos com o nome de sua filha. Jurandir e Iara se mesclaram para formar o nome da menina. E então surgiu, Juriara.
E faziam questão de explicar para todo mundo. Seja onde fosse. A última vez tinha sido no dentista. O doutor estava encantado com a formosura da menina.
- Você é bonita, tem que cuidar mais dos dentes. Qual o seu nome?
- Ju... – a menina tinha começado, já sentindo vergonha.
- Juriara – disse a mãe orgulhosa, com um sorriso largo.
- Juriara – repetiu o doutor, com ar de curiosidade – lenda folclórica?
A mãe fez cara feia.
- Não, doutor. Vem de Jurandir e Iara. Nós, os pais dela – explicou.
Seu Jurandir assentiu.
Orgulho dos pais, vergonha da menina. E ela convivia com essa cruz todos os dias, em cada chamada, toda vez que conhecia alguém e tinha que dizer o nome. Geralmente dizia o nome muito rápido, e completava:
- Mas pode chamar de Ju.
Mas não tinha como fugir. Certidão de nascimento, carteira de estudante, crachá da escola de vôlei. Tudo trazia estampado: Juriara.
Aconteceu que, um dia, Juriara se encantou com um menino que tinha chegado na cidade. Ninguém o conhecia ainda, e ele mal saia de casa. Quando saia, era no máximo até a esquina, para comprar mantimentos com sua mãe. Ele era um garoto de mais ou menos dezessete anos, meio alto, cabelos pretos que escorriam em sua testa. A nova sensação das mocinhas solteiras.
Em uma segunda feira como outra qualquer, estava saindo para a escola, logo depois do almoço. Quando botou os pés para fora de casa, seus olhos se arregalaram. Seu Jurandir proseava no portão com o tal menino e seu pai. O belo garoto olhou para Juriara, que permaneceu imóvel. A troca de olhares durou alguns segundos até que a menina deu meia volta para casa. Inventou uma dor de barriga e trancou-se no banheiro.
- Droga! Que droga – resmungava para si mesma – Droga de nome! Se eu me chamasse Laís, por exemplo, eu teria ido conhecer o moço. Mas Deus me livre de chegar e dizer: “Oi, meu nome é Juriara”. O menino haveria de se assustar e nem olhar mais na minha cara. Nunquinha!
- Que isso, menina – disse a mãe do lado de fora – ta falando sozinha?
- Estou lendo um livro em voz alta, mãe!
Quando por fim saiu do banheiro, deu de cara com o pai, comendo torradas na cozinha. Lançou-lhe um olhar fulminante.
- O senhor não falou de mim para eles, falou?
- Não – disse, mastigando a torrada – deveria?
- E... E sobre o que falaram? – perguntou Juriara, curiosa.
- Ele quer matricular o menino na Escola, e veio pedir informações. Por falar nisso, já está em sua hora, mocinha. Anda, anda.
Juriara ficou pálida por causa da informação. Agora seria mais difícil conviver com a situação. Chegando à escola, foi proibida de entrar.
- Fique esperando até o segundo horário – disse a mulher da recepção.
Juriara encostou-se na parede. Estava sozinha. Começou a pensar que deveria inventar uma doença para não sair de casa nos próximos sete dias. Pensou em juntar dinheiro para mudar o nome. Já tinha ouvido falar sobre isso, uma burocracia só. Será que o garoto esperaria até que tudo isso fosse resolvido?
- Oi.
Juriara olhou para trás e ficou ruborizada. Era o mesmo garoto que estava ocupando seus pensamentos. Ali, a uma régua de distância. Juriara sentiu seu estômago dando nós cegos. Teve vontade de vomitar. Ou sair correndo.
- Você também chegou atrasada? – o menino ignorou o fato de ter sido ignorado.
- Sim – foi tudo que ela conseguiu responder.
Em seguida ficaram em silêncio. Ele parecia estar tímido também. Juriara já tinha cogitado a possibilidade de mentir o nome. Já estava escolhendo o mais bonito em sua cabeça. Renata, Valeska, Andressa...
- Qual... Qual o seu... Nome? – perguntou o menino.
Juriara tremeu nas bases. Não tinha escolhido ainda. Se mentisse, corria sérios riscos de gaguejar e parecer uma idiota.
- Qual é o seu? – perguntou, e depois se arrependeu.
O menino contorceu os lábios. Demorou uns instantes e respondeu.
- Não vai rir de mim, hein?
Juriara fez que sim com a cabeça.
- Noriosvaldo - disse bem rápido. Em seguida explicou, tímido – sabe como é... Homenagem de pai e mãe.
***
3 comentários:
Mesmo já esperando o final que se revela nos primeiros parágrafos, a maneira como você narra me leva até o ponto final sem perceber.
Está sendo uma delícia lhe ler
F. Lobo
Obrigada!
E sério? Não sabia que tinha ficado previsível...
- Fernanda Paiva
muuuuuuito gostooso o texto.
- Ana Raquel
Postar um comentário
Sou toda ouvidos.