domingo, 30 de maio de 2010

Homenagem

Era uma garota como qualquer outra garota do sertão de Pernambuco. Era até mais bonita que a maioria delas. Cabelos louros, pele branquinha, olhos cor de mel. Estava no primeiro ano do ensino médio da Escola Estadual Prof. Pedro Pedrosa. Tinha quinze anos, com sorriso de menina e olhar de mulher. O único problema era seu nome. A moça tinha vergonha. Tinha raiva. Não gostava. A hora da chamada sempre era um sofrimento.

- Juriara?

- Presente – respondia timidamente.

Juriara. Porque não Priscila, Jéssica, Laís, ou Ana? Suas amigas é que eram sortudas. Mas seus pais tinham resolvido homenagear a si mesmos com o nome de sua filha. Jurandir e Iara se mesclaram para formar o nome da menina. E então surgiu, Juriara.

E faziam questão de explicar para todo mundo. Seja onde fosse. A última vez tinha sido no dentista. O doutor estava encantado com a formosura da menina.

- Você é bonita, tem que cuidar mais dos dentes. Qual o seu nome?

- Ju... – a menina tinha começado, já sentindo vergonha.

- Juriara – disse a mãe orgulhosa, com um sorriso largo.

- Juriara – repetiu o doutor, com ar de curiosidade – lenda folclórica?

A mãe fez cara feia.

- Não, doutor. Vem de Jurandir e Iara. Nós, os pais dela – explicou.

Seu Jurandir assentiu.

Orgulho dos pais, vergonha da menina. E ela convivia com essa cruz todos os dias, em cada chamada, toda vez que conhecia alguém e tinha que dizer o nome. Geralmente dizia o nome muito rápido, e completava:

- Mas pode chamar de Ju.

Mas não tinha como fugir. Certidão de nascimento, carteira de estudante, crachá da escola de vôlei. Tudo trazia estampado: Juriara.

Aconteceu que, um dia, Juriara se encantou com um menino que tinha chegado na cidade. Ninguém o conhecia ainda, e ele mal saia de casa. Quando saia, era no máximo até a esquina, para comprar mantimentos com sua mãe. Ele era um garoto de mais ou menos dezessete anos, meio alto, cabelos pretos que escorriam em sua testa. A nova sensação das mocinhas solteiras.

Em uma segunda feira como outra qualquer, estava saindo para a escola, logo depois do almoço. Quando botou os pés para fora de casa, seus olhos se arregalaram. Seu Jurandir proseava no portão com o tal menino e seu pai. O belo garoto olhou para Juriara, que permaneceu imóvel. A troca de olhares durou alguns segundos até que a menina deu meia volta para casa. Inventou uma dor de barriga e trancou-se no banheiro.

- Droga! Que droga – resmungava para si mesma – Droga de nome! Se eu me chamasse Laís, por exemplo, eu teria ido conhecer o moço. Mas Deus me livre de chegar e dizer: “Oi, meu nome é Juriara”. O menino haveria de se assustar e nem olhar mais na minha cara. Nunquinha!

- Que isso, menina – disse a mãe do lado de fora – ta falando sozinha?

- Estou lendo um livro em voz alta, mãe!

Quando por fim saiu do banheiro, deu de cara com o pai, comendo torradas na cozinha. Lançou-lhe um olhar fulminante.

- O senhor não falou de mim para eles, falou?

- Não – disse, mastigando a torrada – deveria?

- E... E sobre o que falaram? – perguntou Juriara, curiosa.

- Ele quer matricular o menino na Escola, e veio pedir informações. Por falar nisso, já está em sua hora, mocinha. Anda, anda.

Juriara ficou pálida por causa da informação. Agora seria mais difícil conviver com a situação. Chegando à escola, foi proibida de entrar.

- Fique esperando até o segundo horário – disse a mulher da recepção.

Juriara encostou-se na parede. Estava sozinha. Começou a pensar que deveria inventar uma doença para não sair de casa nos próximos sete dias. Pensou em juntar dinheiro para mudar o nome. Já tinha ouvido falar sobre isso, uma burocracia só. Será que o garoto esperaria até que tudo isso fosse resolvido?

- Oi.

Juriara olhou para trás e ficou ruborizada. Era o mesmo garoto que estava ocupando seus pensamentos. Ali, a uma régua de distância. Juriara sentiu seu estômago dando nós cegos. Teve vontade de vomitar. Ou sair correndo.

- Você também chegou atrasada? – o menino ignorou o fato de ter sido ignorado.

- Sim – foi tudo que ela conseguiu responder.

Em seguida ficaram em silêncio. Ele parecia estar tímido também. Juriara já tinha cogitado a possibilidade de mentir o nome. Já estava escolhendo o mais bonito em sua cabeça. Renata, Valeska, Andressa...

- Qual... Qual o seu... Nome? – perguntou o menino.

Juriara tremeu nas bases. Não tinha escolhido ainda. Se mentisse, corria sérios riscos de gaguejar e parecer uma idiota.

- Qual é o seu? – perguntou, e depois se arrependeu.

O menino contorceu os lábios. Demorou uns instantes e respondeu.

- Não vai rir de mim, hein?

Juriara fez que sim com a cabeça.

- Noriosvaldo - disse bem rápido. Em seguida explicou, tímido – sabe como é... Homenagem de pai e mãe.

***

3 comentários:

Anônimo disse...

Mesmo já esperando o final que se revela nos primeiros parágrafos, a maneira como você narra me leva até o ponto final sem perceber.
Está sendo uma delícia lhe ler

F. Lobo

Anônimo disse...

Obrigada!

E sério? Não sabia que tinha ficado previsível...

- Fernanda Paiva

Anônimo disse...

muuuuuuito gostooso o texto.

- Ana Raquel

Postar um comentário

Sou toda ouvidos.