segunda-feira, 7 de junho de 2010

La Night

Ao leitor: Resolvi apostar em uma temática urbana e contemporânea, e em uma narrativa diferente. É bem o oposto do que vocês tem visto nas histórias do interior (que confesso ser minha paixão e foco no momento). Conta a história de uma moça em uma situação bem adversa. Ficou um pouco grande, agradeço a paciência de quem ler. :)


***


Ah meu Deus. Não acredito que esta maldita buzina já está me apressando. Droga. Ainda não passei o rímel. Ainda não fiz a transferência dos itens da bolsa de ontem para a bolsa de hoje. Ai, droga. Sempre tropeço nesse degrau. Principalmente quando estou com um salto desta altura.

Será que escutaram eu dizer que já estava descendo? Não importa. Já estou a caminho da “grande noite”. Eu falei para a Paulinha. Estou de TPM, briguei com minha melhor amiga, e meu poodle não pára de vomitar. Cogitei a possibilidade de desistir, até ver o sorriso de quase 30 centímetros da Paula.

Quando dei por mim, já estava sentada no carro, com aquele “tuntz-tuntz” terrível, duas meninas que gritavam e cantavam e riam, tudo muito alto. Comecei a acreditar naquela velha história de que mulher fala demais. Putz, será que eu era assim também? Não acredito. Ainda ia ter que suportar a Carla, a Mara, e sabe-se lá quantos outros seres gritantes. Falando nisso, será que essa saia está muito curta?

Esqueci imediatamente da saia quando vi que estava automaticamente descendo do Pálio prateado da Paulinha. “La Night” era o nome do lugar. Pessoas estranhas. Seres gritantes. Aos montes. Lembrei do Legião Urbana. “Festa estranha, com gente esquisita”. E eu definitivamente não estou legal.

Quanto? R$ 25? O que essas loucas estão pensando? Vou pagar essa fortuna para ouvir um tuntz-tuntz irritante e dançar loucamente com os seres escandalosos? Jamais.

Tá bom, não tenho escolha. Espero que esse rapazinho não tenha troco para R$50. Torço por isso de todo o coração.

Que porcaria, hein? Passa meu troco para cá, seu tratante. Oh Céus. Agora as loucas frenéticas estão me conduzindo ao interior desse lugar misterioso, com luzes neon de doer na vista e uma música para estourar os tímpanos de qualquer cristão.

Muitas pessoas. Não sabia que ali caberiam tantas. 98% delas com algum drink mágico na mão. Uns soltam fumaça, outros têm com cores diversas. Uns estão em chamas, e isso está me dando náuseas. Os risos, gargalhadas, conversas e gritos misturam-se com o mais novo sucesso de Lady Gaga. Provavelmente eu não volte a ouvir depois dessa noite. A propósito, quanto tempo ficaremos aqui mesmo? Até umas 2h, talvez. Espero que antes.

Ah, que maravilha. Minhas amigas escandalosas encontraram o resto do bando. Putz. Definitivamente minha saia não é curta coisa nenhuma. Essa loira está praticamente com um tapa-sexo. Que ridículo. Ah não! Conhecê-las? Ninguém entende que estou meio anti-social hoje? Mas tudo bem. Quê? A Paulinha me apresentando como Dri? Não tenho intimidade com a loira devassa e suas comparsas.

Acabo de descobrir o nome da dita-cuja. Nati. Nati o caramba. Contente-se com um Natália. Aliás, não dirija-se a mim. Flá, Fê, Má e Cá. Esses são os nomes de guerra das integrantes da trupe da Natália. E eu sou ADRIANA. A-dri-a-na. Não. Não pode chamar de Dri. Deixa esse privilégio para uns 10 ou 15 no máximo.

Oh, uma notícia boa. Estamos indo procurar uma mesa. Era tudo que eu queria. Sentar em um daqueles puffs, pedir uma água mineral e tomar o quinto Buscopan da noite. E então assistir as loucas dançando freneticamente. Falando nisso, será que estou conseguindo esboçar um sorriso sincero?

Até que o puff é macio. Não sei o que houve nesse mês. A cólica está centenas de vezes pior. Como se fossem socos na região do meu útero. Ai, chega pra lá. Será que essa Má não percebe que eu preciso de um puff só meu? Ou será que essa é a Flá?

Opa, o garçom veio anotar os pedidos. Licor? Caipiroska? Dry Martini? Não, obrigada. Ei, por que estão rindo de mim por ter pedido uma água mineral? Eu mereço. Eu já decidi. Vou pegar um taxi. Vou me afogar em uma panela de brigadeiro. De preferência, atolada em meus lençóis. E tudo que quero ouvir é a trilha sonora do meu ar-condicionado. É isso mesmo que vou fazer.

Se a Paulinha soltar meu braço, é claro. Pra onde estamos indo? Ah não. Dançar? Não acredito. Hoje não é o dia de ação de graças. E já fiz minha boa ação do dia. Não tenho motivos para estar aqui, nessa rodinha de seres gritantes e dançantes. Vou sentar. Tchau.

Ah não, Paulinha. Não faz isso. OK. Vou passar uns minutos aqui, antes que a loira venha insistir, com seu hálito de álcool e seu perfume enjoativo. Todas pareceram me esquecer quando começou uma música. Acho que já ouvi antes. Minha irmã escuta sempre. Um tal de David Guetta. Fala algo sobre sexy bitches, até onde eu sei. Baixaria.

Obrigada pela água, tio. Era tudo que eu precisava. Droga, onde está o Buscopan? Aqui, achei. Mania feia de colocar comprimidos nesse bolsinho da bolsa. Falando nisso, que horas já devem ser? Que horas vamos sair daqui?

De volta à rodinha. Todas com seus respectivos drinks. Todas dançando até o chão. Todas cantando em gritos. Fiz uma mini-prece para que me sobrassem nervos e tímpanos depois daquela noite. Ai. Que dor de cabeça. Não devia ter saído de casa hoje. Epa. Quem é você que não para de me olhar?

Cai fora. Odeio caras magrelos. E seu cabelo mais parece a crista de um galo. Oh não. Não se aproxime, por favor. Oh Céus. Você usa 212? O perfume do meu ex-namorado. Sai já daqui. Não percebe que estou te fulminando com os olhos?

Não, não quero dançar. Nem vou te dar meu telefone. Excluí meu Orkut, a propósito. Ei, alto lá! Mantenha os 20 centímetros de distância! Que é isso? Pior de tudo é sustentar esse sorriso. Meu maxilar está doendo. Isso, cara. Se manda. Au revoir. Até nunca mais. Magrelo. Cabeça de galo. Fedorento. Ops. Fedorento não.

Oh Céus. Que nojo. A loira devassa acaba de vomitar no pé da Cá. Ou será a Flá? Eu bem que desconfiei que ela tinha tomado todas. Acho que o Dry Martini que ela pediu foi a gota d’água. Ou aquilo era uma Caipiroska? Pouco importa. Não, não estão querendo que eu ajude a carregar ela pro banheiro né? Pô, eu estou com cólica! Ninguém aqui sabe o que é isso? Será que esses seres gritantes e dançantes são também mutantes? Só eu que passo por isso?

OK. Venha, Natália. Apóie-se em mim. Isso. Detona comigo. Mas detona mesmo. Porque se eu sobreviver vou dar facadas na barriga para aliviar a dor quando chegar em casa. E vire para lá seu hálito de qualquer que seja a bebida, faz favor. Argh. Falando nisso, onde deixei minha bolsa mesmo?

Não, Natália. Não faz assim. Argh. Isso. Vomita tudo. Põe pra fora. Talvez você aprenda. As outras integrantes da trupe estão preocupadas. Talvez seja a hora de ir para casa. Será que devo sugerir? Ai meu São Google. Eu preciso sugerir. Seja o que Deus quiser.

Não acredito que concordaram comigo. Dessa vez, a Flá e a Fê levaram a amiga bêbada para fora da La Night. Ou seria a Má e a Cá? Não importa. O que importa é que estou me despedindo dessas luzes, dessa música irritante e dessa gente toda. Acabo de jurar pelas minhas duas avós amadas que não volto a um lugar como esse jamais.

Buzinas. Conversas. Risos. E a música ensurdecedora de minutos atrás agora é apenas um background na rua. É, eu ainda tinha minha audição. 30x3 é 90; esse ano tem Copa do Mundo; meus pais se chamam Antônio e Lúcia. Ainda tenho neurônios também.

Nunca amei tanto entrar no carro da Paulinha como estou amando agora. De volta para casa. De onde não deveria ter saído. Estou com fome. A idéia da panela de brigadeiro veio bem a calhar. Juro que depois desconto tudo na academia. Citando os Teletubbies, é hora de dar tchau. Não posso acreditar.

Será que vou ser castigada por essa mentira? O que eu ia dizer? Que a noite foi uma porcaria e que eu odiei suas amigas? Definitivamente não. Falando nisso, será que ainda tem leite condensado?

3 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom, também me sinto assim de vez em quando: como num aquário cheio de frente a uma TV sem som - dormente com as mensagens desse abajour psicodélico.
Parabéns

F. Lobo

Fernanda Paiva disse...

A situação foi pra ilustrar mesmo as tantas vezes que nos sentimos à margem do que está acontecendo, por estarmos presos a pensamentos que ninguém nem imagina. E todos se conformam e acreditam em um sorriso que dói no maxilar.

Obrigada, Felipe.

Anônimo disse...

Tive paciência de ler. O que s enhorita escreve, não cansa a vista! É tudo muito real...que nos fascinaa ler cada palavra! São situações reais....que nso fazem rir...pois, qual ser hmano num já viveu algo parecido,hein??
Imagina se eu perderia de ler esse e tantos outros contos....logo de vc? JAMAIS. Feranda do vale paiva é cultura...! kkkkkkk

Bjs, fernandinha..te amo

ass: LORENA DO VALE PAIVA DE CARVALHO

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