terça-feira, 22 de junho de 2010

Sábado de Sol e Sangue

Poxa, que sorte a minha. Como eu não tinha pensado que hoje era justamente dia 10 de março? Como não? Eu que sempre fui atenta ao meu calendário biológico marquei essa bendita praia para hoje. Eu não vou mais. Não vou.

Ah não! Mas eu PRECISO ir. Combinei com as meninas, e o Elton vai estar lá. Lindo, loiro e surfista. E me prometeu que ia me ensinar a surfar! Ensinar a surfar! Eu, uma pobre jovem menstruada cujo fluxo sanguíneo resolveu aparecer exatamente agora, vinte minutos antes de a Andréa passar aqui em casa. Que beleza!

Droga... Esperei tanto por essa praia. Esperei seis dias para ser mais exata. Poxa. Mas não... Não vou chorar... Não estou chorando. Não estou. Calma, Adriana Dias Mendonça, você não vai chorar. Se controle. Você é uma mulher equilibrada! Ah, droga, o que eu vou fazer? Vou ligar para a Andréa para dizer que desisti de ir.

- Alô, Déa?

- Oi, Dri.

Ela vai me matar. Eu insisti tanto para que ela fosse. Ela não vai me perdoar.

- Olha, é que eu menstruei hoje de manhã, estou sem condições de ir à praia. Sabe, estou muito triste, você sabe, e...

- Tudo bem, Dri, eu entendo. Eu aviso ao pessoal.

Como assim, “tudo bem, Dri”? Você precisa insistir, implorar, me chantagiar e ameaçar de morte para que eu deixe de frescura e vá para a praia. Você não se importa que eu vá? Você não é minha amiga?

- Tem certeza que não se importa, flor?

- Lógico que não. Eu sei como são essas coisas...

Não sabe nada. Não sabe nada! Você é uma insensível!

- Você é uma fofa, Déa. Beijo.

- Outro.

Ah não! Será que não existe mais amizade sincera nesse planeta? Ela tinha que ter insistido. Ela precisava ter insistido. Isso sim é prova de amizade. Mas eu já sei o que vou fazer. Vou procurar o meu melhor biquíni, meu óculos novo, o vestidinho branco preferido... E vou arrasar. Lógico, sem aulas de surf. E tudo que vou dizer é que estou... Bem... Com dor de cabeça. Isso. Ninguém vai entrar em detalhes. Agora vamos lá, Adriana! Enxugue as lágrimas e seja feliz! Ops, mas antes disso...

- Alô, Andréa?

- Oi, Dri...

- Olha, eu pensei bem... Não vou perder a praia. Vou tomar um Buscopan e ficar lá sentadinha da silva.

- Ótimo, eu passo aí em dez minutos!

- OK, beijo.

Dez minutos. Concentração. Ai, que dor! Que dor! Não vou curtir meu sábado graças a essas dores. E tanta dor graças a essa hemorragia. E essa sangria graças a eu ter nascido mulher. E tudo isso graças à falta deum cromossomo Y. Oh Céus, isso é coisa do destino. Des-ti-no! Mas vamos lá. Agora são só sete minutos. Concentração.

Esse biquíni está horrível em mim hoje. E é o meu MELHOR biquíni. O arrasador. O fecha-praias. O que ninguém jamais encontrará em nenhuma prateleira de liquidação. Mas ta HORRÍVEL em mim hoje. Tudo graças a esse inchaço. Que é graças à hemorragia. Que é graças àquelas outras coisas. Ainda bem que tenho esse vestidinho de praia que... Nossa! Ta parecendo tão mais apertado. Será que vão perceber? Será que o Elton vai pensar que eu to gorda?

“Elton, eu não estou gorda, estou menstruada”.

Não. Jamais. Não vou me passar a esse ponto. Acho que ele não vai perceber. Agora, onde estão minhas sandálias? Ah não, hoje tudo conspira contra mim, contra a praia, contra o Elton e nossas aulas de surf. Até uma bendita sandália que... Ah, achei. Peraê, peraê. Ouço buzinas. E esta buzina fina e maçante só pode ser ela.

- Oi Déa! To descendo!

É a vantagem de morar no primeiro andar: se comunicar com berros, em vez de ir até o interfone. Será que não to esquecendo nada? Ah, céus! O protetor! Pele transparente e sol de um dia inteiro sem protetor não me traz boas recordações. Estou literalmente frita! Mas vou ficar o dia inteiro sentada no barzinho, com aquela coca-cola e um caranguejo, me sujando toda. Não vou ver nem a cor do sol.

- Está bem mesmo, querida?

Foi o “querida” mais falso que já ouvi em toda a minha existência.

- Tudo sim, flor.

Foi o “flor” mais falso que já pronunciei em toda a minha existência. Isso, aumenta o som. Ah não! Lady Gaga de novo não. Abaixa isso. Deixa mudo, se possível.

- Não tem Jack Johnson?

- Tem sim, na pasta 3; pode mudar.

Ufa! Nem acredito! Agora sim: indo à praia e ouvindo música de praia. Não fosse usar biquíni com absorvente, as dores da cólica e uma vontade louca de esganar alguém, o dia seria perfeito. Ah, chegamos. Estava há uns trezentos meses sem pisar nas areias da praia. E deixe-me ver, deixe-me ver... Não tenho uma visão de túnel muito boa. Mas posso ver que o Elton, o Pedro, a Juju e o Túlio já estão lá. O Elton está lá. Todos estão lá. E lá vamos nós, a Andréa com seu biquíni verde-lodo e a ensangüentada, tendo que esconder o biquíni lindo em um vestido de praia decadente. Poxa, é meu dia.

- Oi, Dri!

Oi, Elton lindo, maravilhoso, cheiroso!

- Oi, Elton!

- Quanto tempo!

Não. Sai daqui. Não me aperte assim. Ai, que dor! Será que você não ta vendo que to morrendo de cólica, seu animal? Isso, muito obrigada. Que saco!

- Pois é, né... Hehehe.

Será que fui convincente com essa risadinha? De qualquer maneira, vamos lá, vamos sentando, e pedindo nossos caranguejos. Será que aqui também vende chocolate? Deixa pra lá. Ah não. Não acredito que estão propondo um campeonato de frescobol. Não, não; tudo menos torrar no sol e ficar me abaixando o tempo todo para apanhar a bolinha.

- Estou cansada.

Foi tudo que consegui dizer, apesar de soar meio estranho uma jovem de 22 anos estar cansada demais para jogar frescobol com os amigos.

- Então vamos aprender a surfar!

Poxa, Elton, você é tão legal. O problema é que às vezes surge com idéias imbecis.

- Hoje nem vai dar.

- Que bicho te mordeu?

A menstruação, seu idiota! Incompreensivo! Insensível! Será que não ta vendo minha cara de choro por estar sendo ALTAMENTE ridicularizada e humilhada na frente de todos?

- Bicho nenhum, eu apenas...

- Ah, então ta tudo em cima, vamo nessa!

Ei, me solta, me larga! Eu não vou surfar, me solta! Estou com muita dor, idiota. E vocês, sua trupe de ridículos, não vão me ajudar? Vão ficar só rindo de mim?

- Isso é só charminho dela, Elton! Leva ela assim!

Poxa Juju! Você só pode ser um homem travestido nesse biquíni vermelho ridículo. Por que nunca vi uma mulher ser tão sensível quanto uma porta! Me solta, seu inútil. Droga... Estou me passando... Chorando... E ninguém percebe que to falando sério?

TCHIBUM. Odeio esse som. Não vou levantar o rosto. Todos vão ver que estou chorando muito. Porque eu vim para essa praia. Ah, seu idiota... Foi por SUA CAUSA. Foi por VOCÊ que estou aqui, passando por cima do desconforto, das dores e da vontade de esganar alguém. Pensando bem, vou te esganar, seu MOLEQUE.

- Onde você estava com a cabeça?

- Calma, Dri... Eu não... Eu não...

Vai dizer que não sabia? Vai dizer que pensou que era só charminho? Ah, que beleza. Agora estou aqui com um absorvente ensopado e meu vestido molhado; uma raiva que me consome, cólica triplicada e sentindo minha barriga inchar ainda mais graças aos três litros de água que engoli...

- ...Graças a você! Graças a você vou pegar um resfriado! Eu te odeio! E odeio para sempre!

- Desculpa, eu não sabia que...

- Não... Dirija... Sua voz... À MINHA PESSOA!

E nem faça essa cara de quem não está entendendo nada. Qual o outro motivo levaria uma mulher, em um dia de sol, preferir ficar se lambuzando de caranguejo? Idiota. I-DI-O-TA!

2 comentários:

Anônimo disse...

Você deveria escrever mais desses manuais de como se trata uma mulher nas suas várias versões de cinco minutos de duração.

Ficou muito bom, parabéns.

F.Nobre

Fernanda Paiva disse...

É o que eu sempre digo: As histórias da Dri são principalmente destinadas aos homens, para que entendam nosso jeito de ver, pensar e sentir o mundo durante as horas de TPM.

Ninguém segura a gente!

Grande Felipe :)

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